As línguas têm
história, constituem uma realidade em constante transformação no tempo.
Reconhecido o fato de que as línguas mudam no eixo do tempo, busca-se, então,
dar a esse fato um tratamento científico. A lingüística
histórica ocupa-se, então, fundamentalmente com as transformações das línguas
no tempo e os lingüistas procuram compreender.
Diversidade teórica
Como não temos o
dom da onisciência, nem o poder de apreensão global instantânea do mundo,
nossas aproximações científicas do real são sempre parciais; fazemos recortes
nele, construindo nossos objetos de estudo, e formulamos hipóteses explicativas
para esses recortes. A ciência não é uma
atividade de deuses ou semideuses, mas de pessoas concretas, bem localizadas no
tempo e no espaço. Assim, a ciência é uma atividade enraizada na experiência
social e histórica dos cientistas. A materialidade dos
dados e a reconhecida necessidade de dar fundamentação empírica ás nossas
hipóteses introduzem naturais e sempre presentes conflitos entre nossas
elaborações teóricas do real. Quem se inicia numa
disciplina científica precisa buscar compreender as suas polêmicas, deve também
ter como objetivo delas participar, o que significa amadurecer sua capacidade
de trabalhar não de forma aleatória, mas dentro de um sistema teórico.
Sincronia e diacronia
Entendendo a
ciência da linguagem como apenas e necessariamente histórica, Saussure
estabeleceu que o estudo lingüístico comportava, na verdade, duas dimensões:
uma histórica/diacrônica e outra estática/sincrônica. Na primeira, o
centro das atenções são as mudanças por que passa uma língua no tempo; na segunda
, são as características da língua vista como um sistema estável num espaço de
tempo aparentemente fixo. As mudanças das
línguas no tempo, por seu turno, nunca afetam, segundo Saussure, esse sistema
globalmente, Saussure chega a dizer , nesse sentido, que o sistema em si mesmo
é imutável. Ele entendia que a
imobilidade absoluta das línguas não existe de fato e afirmava varias vezes, em
seu texto, que as línguas estão em permanente transformação, então o que
Saussure fez foi estabelecer como necessária uma rigorosa distinção
metodológica entre os dois estudos.
Linguística descritiva teórica X linguística histórica
Os manuais de lingüística costumam, então, fazer referência
a dois ramos dessa ciência: uma lingüística dita descritiva ou sincrônica e
outra histórica ou diacrônica, mais
modernamente os manuais costumam usar a denominação lingüística teórica para os
estudos sincrônicos em oposição a lingüística histórica.
Precedência da sincronia
Entende-se que,
para apontar as transformações ocorridas, por exemplo no português entre os
séculos XIII e XX, é preciso comparar diferentes estados da língua, o limite de
um estado sincrônico é, na prática, indeterminado, segundo Saussure. Trata-se de uma
abstração, cujo critério é o de que o estado sincrônico cubra um espaço de
tempo mais ou menos longo, durante o qual a gama de modificações ocorridas seja
mínima.
A hegemonia dos estudos sincrônicos e o questionamento da dicotomia sincronia/diacronia
A tendência majoritária
na lingüística do século XX de privilegiar os estudos sincrônicos, levou boa
parte dos lingüistas a manter rigidamente separados os dois estudos. A divisão
sincronia/diacronia introduzida por Saussure tem sido também objeto de
constantes discussões. Questiona-se, via de regera, a necessidade da separação
rígida entre os dois estudos e a própria homogeneização do objeto, posta por Saussure como necessária
para os estudos sincrônicos e assim assumida pela maioria dos estudos
posteriores. Weinreich, Labov
& Herzog, começam por questionar o pressuposto sincrônico tradicional que
associa sistema com homogeneidade, e defende a construção de um modelo de
língua que seja capaz de acomodar sistematicamente a heterogeneidade
sincrônica. Voloshinov,
um dos primeiros críticos de Saussure, já mostrava que a língua, como sistema
estável de formas, é apenas uma
abstração científica que pode servir para certos fins teóricos e práticos, mas que não da conta de maneira adequada da
realidade concreta e histórica.
Concepções de linguagem e orientações teóricas diferente
Ter, pois, clareza
quanto á concepção de linguagem de cada orientação teórica é um dos fundamentos
para se entender as sua diferenças e, principalmente, para direcionar nossas
opções iniciais. Podemos distinguir
duas grandes concepções de linguagem , uma a considera como um objeto autônomo,
a outra, outro objeto intrinsecamente ligado á realidade social, para a
primeira trata-se de observar e determinar seus condicionantes lingüísticos,
para segunda é básico acompanhar a histórica social dos falantes. Assim, os que optam
por uma visão imanentista têm de enfrentar também as questões socioculturais,
da mesma forma , os que optam por uma visão não imanentista têm de enfrentar as
questões estruturais. Em razão da
diversidade teórica que caracteriza a ciência em cada momento de sua historia e
em razão dos respectivos conflitos entre as teorias e entre as teorias e o
real, o processo acumulativo se dá menos por somo do que por amplas reelaborações
teóricas.
Selecionando orientações teóricas
Diante dos termos
sincronia/diacronia, não basta apenas entender por alto a que se referem, é
preciso antes perceber que essa divisão pressupõe também, na sua origem, uma
concepção homogeneizante da língua. Em suma, assumir
esta ou aquela concepção de base é que vai determinar nosso método de trabalho,
é preciso que o iniciante esteja consciente da complexidade da atividade
cientifica e, principalmente, de alguns dos muitos fatores que condicionam
nossas preferências teóricas. Assim se
temos uma perspectiva mais sociológica e antropológica das realidade humanas,
nossa preferência será, certamente, por orientações teóricas que abordam as
línguas primordialmente como realidades sociológicas e antropológicas, e se nossa perspectiva porém é mais
subjetiva, nossa preferência será, certamente, por uma teoria que aborde as
línguas como realidades basicamente psicológicas ou físicas. São exemplos de
estudos assim o de Leda Biso que discute a variação das vogais pretônicas no
português do Brasil, e o de Marco Antônio de Oliveira que argumenta a favor da
segunda hipótese, mostrando que ela permite uma análise mais abrangente dos
fatos do passado e do presente.
Assim, ter claros
nossos pressupostos e fundamentos garantem certamente melhores condições para
uma maior produtividade cientifica. mostrando que ela permite uma analise a
segunda hipotese ariaçtiviadade cientifica e, principalmente, de alguns dos
muitos fal
Ruthe Cassiano
Fonte: Faraco, Carlos Alberto - Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas/ São Paulo: Parábola Editorial, 2005. Capítulo 4: A Linguística história é uma disciplina científica.